Nas redes sociais, ser polémico compensa
- Joana
- 9 de jun.
- 3 min de leitura
Nas redes sociais, ser polémico compensa. Ser divisivo dá visibilidade. E estar no centro da tempestade — mesmo que por razões duvidosas — garante cliques, comentários, seguidores... dinheiro.
É aqui que entra um dos fenómenos mais perigosos do nosso tempo: a figura do influencer. Nem todos seguem uma ideologia. Muitos seguem apenas a lógica do algoritmo. E essa lógica é simples: quanto mais reações geras, mais relevância tens. Quanto mais relevante és, mais ganhas. Ganhas visualizações, patrocínios, convites, influência real.
De onde vem o dinheiro?
Os influencers ganham com a nossa atenção. Literalmente.
Cada clique num vídeo que apela à raiva é monetizado.
Cada partilha de um discurso tóxico aumenta o alcance e, com ele, o valor do conteúdo.
Marcas, plataformas e até partidos investem em quem sabe movimentar multidões — mesmo que seja através do medo ou do ódio.
Não é só sobre opinião. É sobre negócio.
E para muitos, isso é suficiente para alimentar narrativas perigosas. Basta parecer convincente. Basta parecer contra o sistema.
Mas o preço é alto
Estamos a assistir à normalização de discursos de ódio, à banalização da misoginia, do racismo, da violência. E tudo isto a acontecer à nossa frente, à frente dos nossos filhos, nas suas linguagens, nos seus algoritmos, nas suas rotinas online.
Cresce o orgulho de não ter empatia. De "dizer as verdades" sem filtros. Do ser frontal acima de tudo. De ridicularizar quem pensa diferente.
Estamos a criar um ecossistema digital onde ser cruel dá pontos. Onde ridicularizar a empatia é sinal de força. Onde quem tem mais seguidores parece ter sempre razão.
Então, o que fazer?
Enquanto mãe, educadora e cidadã, recuso-me a aceitar este cenário como inevitável.
Precisamos de literacia digital. Urgente. Nas escolas, nas famílias, na comunidade.
Precisamos de ensinar os mais novos a:
Identificar manipulação emocional e sensacionalismo.
Compreender como funcionam os algoritmos e o que motiva os criadores de conteúdo.
Valorizar fontes credíveis, empatia, ética e pensamento crítico.
Ter coragem para dizer: “isto não é liberdade de expressão, é discurso de ódio disfarçado”.
O que podemos fazer — juntos
É fácil sentir que estamos a perder esta batalha. Mas não estamos desarmados.
A verdade é que há caminhos possíveis — dentro da escola, em casa, nas plataformas digitais e na esfera pública. Nenhum deles resolve tudo. Mas juntos, podem fazer a diferença.
1. Trazer a literacia digital para o centro da educação
Não como disciplina opcional ou atividade extra. Mas como parte da formação básica de qualquer criança e jovem.
Ensinar como funcionam as plataformas, o que são algoritmos, e por que razão certas vozes ganham mais destaque.
Trabalhar a empatia, a escuta e o respeito nas interações online.
Debater temas reais, polémicos, com orientação e espaço para pensar — antes de reagir.
2. Apoiar os adultos que educam
Não podemos esperar que famílias e professores façam este trabalho sozinhos — nem que saibam, por instinto, como lidar com tudo isto.
Precisamos de formações práticas para adultos, com linguagem acessível e sem moralismos.
Criar redes locais de apoio — entre pais, escolas e associações — onde se fale de redes sociais, tendências, influencers, discurso de ódio... sem tabus.
3. Exigir responsabilidade às plataformas
Enquanto os algoritmos forem desenhados para premiar polémicas e conflitos, o problema não vai desaparecer.
Devemos exigir maior transparência: como se decide o que aparece no feed?
Pressionar para que haja consequências reais para quem dissemina ódio e desinformação — mesmo que tenha milhões de seguidores.
4. Educar para a linguagem e a intenção
Uma grande parte da manipulação acontece nas entrelinhas.
Ensinar os jovens a identificar frases manipuladoras, discursos populistas, “memes inocentes” com mensagens perigosas.
Perguntar: "Porque é que este conteúdo me está a fazer sentir isto?" ou "Quem beneficia se eu partilhar isto?"
5. Relembrar que ser crítico não é ser cínico
Educar para a dúvida não significa incentivar o desprezo por tudo.
Mostrar que é possível acreditar em valores, em empatia, em diálogo — e ainda assim ser crítico.
Reforçar que ter pensamento próprio não é gritar mais alto, mas pensar com mais profundidade.
Pequenos passos contam
Não precisamos de fazer tudo sozinhos. Mas também não podemos ficar à espera que alguém resolva por nós. Cada conversa, cada aula, cada escolha de conteúdo — são pequenas sementes.
E, como educadora e mãe, acredito nisto: educar para o digital é proteger a democracia. É proteger a infância. É proteger o futuro.
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